Wednesday, May 4, 2011

A Ilusão que denominam Amor | Carmen Gonçalves

  4:16h da manhã. Terminei de chegar de uma festa. Passado o momento ilusório da diversão, a chamada à realidade me cai como um tapa estalado.
Ontem me perguntaram se todas as pessoas são assim: mudam quando menos esperamos dentro do casamento.
Penso que o amor é isso: é o desafio de você amar, sem limites, sem reservas, mas com responsabilidade sobre seus atos. Você nunca poderá saber pelo outro, até porque talvez nem ele próprio saiba. Mas ser honesto sobre quem você é, o que sente, o que faz é primordial pra continuar em paz consigo quando – e se – as coisas naufragarem.
A moça que nos acompanhava – a mim e à minha amiga – à festa, veio me perguntar se uma mulher deve ou não ser fácil para um homem, sobre qual o limite de ser difícil, enfim, se deve ou não transar com o cara tão logo este o queira. Eu lhe retruquei: – O que você quer? Viva seu momento.
Se conhecer é a parte mais difícil – talvez – numa relação. No início, existe aquele lance dos hormônios se equivalerem, os gostos, os prazeres, os interesses são os mesmos, que o homem parece menos machista e a mulher chega a gostar de futebol. Puro Quimismo Cerebral. Depois, passado este momento que a natureza proporciona para que a espécie possa ter tido a chance de se perpetuar, começam a surgir os verdadeiros eus e aí você descobre que de repente, o Soneto da Separação do Vinícius, lamentavelmente faz sentido.
Sendo assim, o mais interessante seriam as relações baseadas mais em afinidades do que em paixões? Bem, talvez.
Provavelmente nada me qualifica pra qualquer ponderação sobre o amor e as relações imaginariamente oriundas dele, eu não seria mais que a mais pobre personagem de Nelson Rodrigues com minha história.
Uma amiga me disse, fazem duas semanas, que pra nós amarmos, precisamos apenas de nós, pra termos uma relação é que precisamos do outro. Foi uma frase interessantíssima! Essa busca da felicidade no outro sempre gerará erros, controvérsias e mágoas, porque a descoberta de si, a busca do self é a direção do homem enquanto ser, só evoluindo ele marchará para a própria felicidade.
O corpo perfeito, o sorriso sempre presente, as juras, os telefonemas infindáveis são apenas adereço de uma mentira se você espera que o outro satisfaça lacunas que nem você mesmo conhece. Acredito que isso faça com que alguns felizardos consigam ver o amor nas rugas, no tempo, na experiência do outro com quem escolheram compartilhar a vida: Ver a beleza além da beleza.
A moça que acompanhamos se entretém com mentiras criadas por ela própria para explicar-lhe e satisfazer-se na suposta afeição que aquele homem tem por ela, mesmo não estando ali quando poderia estar.
Boa parte do fracasso das relações talvez seja devido não às mentiras do outro, mas às mentiras que nós escolhemos acreditar e que nós também criamos para nos comprazermos em algo que não nos dá mais nenhum prazer, simplesmente porque o efêmero passou, a química equilibrou-se, o fisiológico voltou à sua normalidade.
Ainda essa semana conversei com um amigo, casado fazem mais de dez anos. E agora ele tem um filho de cinco meses. Falamos das mudanças hormonais que a gravidez causa à mulher, das alterações psicológicas do casal – ele que não consegue imaginar "profanando" o seio que alimenta o filho, ela que não consegue se encontrar como mulher enquanto se abstém completamente sendo mãe – e falamos que a grande chance de isto não abalar o casamento deles, é a relação longa e estável que eles têm: ele sabe que ela não é aquela mulher que ali está naquele momento, esta é uma fase dela. E isso também o ajudará a esperar até que ela se encontre novamente como mulher.
Então a solução é esperar envelhecer pra se criar família? Absolutamente! O esperado sucesso deles é se conhecerem, saberem quem são e quem o outro é.
O amor…. o amor não é nada disso do que esperamos dele. Isso são ilusões na maior parte do tempo. O amor é a parte sua consigo, aquela a quem de fato você deve ser fiel, pra poder honrar e respeitar o outro. É a parte talvez que faz com que o outro lhe queira, apesar do que você é de fato. É a diferença entre casar com alguém fascinado por rock, enquanto quem gosta do que você gosta permanece ao lado e você ignora.
O amor é aquilo que eu ainda desconheço e sobre o qual não tenho a menor autoridade pra falar. O amor não é aquilo que a maioria espera do seu parceiro. O que se espera normalmente é fruto de um egoísmo e um orgulho latentes e disfarçados de qualquer outro nome: honra, respeito, confiança, amor até.
Talvez o amor não seja o que queiramos, na maior parte das vezes queremos o comodismo. Não queremos lutar, nos desgastar nos lapidando. Mas só quando nos lapidarmos poderemos amar de verdade.
4:40h. Meus pensamentos e considerações aqui postos aliviaram minha alma. Talvez o amor chegue qualquer dia desses, provavelmente enquanto isso, eu vou – quando possível – continuar indo à festas ocas, à reuniões vazias, a momentos perdidos no tempo da (in)utilidade. Enquanto O amor não chega, eu me divirto.
4:41h. O único amor de quem sinto falta neste momento, é da minha filha, no alto dos seus quase três anos, ela é a beleza, a flor que nasceu no pântano(…). É dela que sinto falta em dividir meu tempo, minhas noites, ainda que ela me chute, chore, reclame e até vaze xixi durante o sono. É dela o sorriso que eu quero pela manhã, ainda que cheio de bafo! É o "eu te amo, mamãe" que sai de sua boca que deixa meus dias mais coloridos. Talvez esse seja o que de mais próximo eu possa ter do amor nesse momento, do que seja mais refinado, mais puro, mais próximo do amor verdadeiro.
Enquanto o outro não chega, enquanto a alma gêmea não é sincronizada, eu me deleito nesse amor infantil que me afaga em horas tristes e alegres. Sigo trabalhando, me divirtindo (quando possível), cotidianamente vivendo, vivendo e amando, porque eu só preciso de mim para amar.
5:03 O sono enfim está chegando… agora é banho, dormir e torcer pra sonhar com aquela pessoa de quem tenho saudades agora. E claro, publicar este post. Carmen Gonçalves| 12/06/10, 06:01 Fronteira da Ameixoeira vista do lado de Portugal.jpg Fronteira da Ameixoeira Vista do Lado de Portugal

As fotos foram propositais:  Nem tudo é da forma que parece. É uma linha tênue, até imaginária a divisão entre o que uma pessoa é e o que gostaríamos que ela fosse.